Rubrica Fitness & Health: Alimentar os sentimentos sem abusar
Nutrição
Ainda que a fome diga respeito a uma necessidade fisiológica básica, (despoletada para fazer face às necessidades energéticas e nutricionais), no decorrer da vida quotidiana há a tendência para serem criados momentos em que se come sem se ter realmente necessidade de nutrientes. Na base de tal impulso podem estar duas ordens de fatores: processos fisiológicos externos ou internos.
A presença de fatores externos reflete-se numa sensibilidade exacerbada de estímulos alimentares externos: o apelo do balcão de pastelaria, o cheiro vindo da padaria, o aspeto do bolo que a colega de trabalho trouxe para dividir. Relativamente aos fatores internos, entramos no foro dos afetos: A comida conforta. O caldo quente quando se está doente, o gelado ou chocolate quando se está triste ou desanimado, o biscoito que a mãe dá para consolar aquela ferida infantil, entre outros.
O efeito reconfortante da comida está presente em quase todas as fases da vida ou culturas. O problema surge quando a comida passa a ser uma distração, um substituto do amor, um analgésico. Quando o ato de comer se transforma na única forma de lidar com a raiva, tristeza, sentimentos de stress, solidão ou tédio.
Em suma, quando o estado de espírito passa a ter um papel decisivo nos comportamentos alimentares e estes tornam-se hábitos.
Quando é que comer para compensar as emoções se torna num problema?
A comida como estímulo positivo é um processo natural que está presente em todo o reino animal. Assim, nada mais compreensível do que em caso de descompensação ir buscá-la! Não é o gostar de comida que é patológico, trata-se antes de uma questão de grau, nomeadamente, em relação à culpa que traz aquele comportamento alimentar, à sensação de perda de controlo (come-se conscientemente ou de forma descontrolada?), à magnitude (um bombom ou a caixa toda?), ao comprometimento que pode ou não trazer à vida quotidiana (come-se com outras pessoas ou isoladamente?).
O que fazer?
O aumento de informação é fundamental ao delinear estratégias de prevenção. Só quando souber “o quê”, pode saber como. Muitas vezes é a incapacidade para lidar com aquele estado emocional que está na base da ingestão. É fácil perceber que é uma solução falível: se o problema está no interior e se a solução passa por procurar no exterior algo para nos preencher interiormente, a comida, o problema não se resolve. Instala-se! Como alimentar este afeto? Será que a solução para o problema no emprego vai passar por comer este bolo?
1.º Desafio
PERCEBER O QUE SE PASSA (A AUTO-MONITORIZAÇÃO)
Constrói uma grelha onde podes anotar vários tipos de informação desde a qualidade e quantidade de comida ingerida às circunstâncias que envolveram a ingestão (Quando acontece o excesso; Quais os alimentos tendencialmente consumidos; O que costumas estar a sentir; Encontras alguma função, (como libertar a tensão, punição) mesmo que de início não deixes de comer, o simples facto de fazer uma pausa e ponderar as razões emocionais ou físicas que levam à vontade de comer já é um grande passo. Entretanto, existem algumas estratégias práticas que podem ajudar.
2.º Desafio
GANHAR O CONTROLO DA SITUAÇÃO (IMPLEMENTAR ESTRATÉGIAS) DURANTE AS REFEIÇÕES
• Restrinje as refeições a certos sítios da casa (ex: cozinha e sala de jantar), procurando não comer noutras divisões (quarto, escritório, sala de estar).
• Come sentado à mesa.
• Concentra-te no que estás a comer. Procura evitar distrações (televisão, leitura).
• Come devagar (desta forma estarás a dar tempo para que a informação de saciedade chegue ao cérebro).
NO SUPERMERCADO
O problema será o da variedade e estímulo da oferta. Neste sentido procura preparar-te.
• Evita ir às compras com fome, pois a tua resistência aos estímulos alimentares estará diminuída e o teu poder de escolha também.
• Leva contigo uma lista do que precisas de comprar.
Quando voltares para casa:
1. Evita comer no carro
2. Arruma todas as compras, consoante a necessidade delas: se compraste um pacote de frutos secos ou salgadinhos porque vais ter visitas, porquê guardá-los naquele frasco da sala mesmo em frente ao sofá?
O PAPEL DA ATIVIDADE FÍSICA
A atividade física tem um papel particularmente relevante na gestão do risco de alimentação emocional.
Por um lado, a prática regular de atividade física contribui para a manutenção de níveis adequados de bem-estar, diminuindo a reatividade a situações de possível descompensação, proporcionando maior equilíbrio psicológico e físico. Por outro lado, a própria prática de atividade física como forma de gestão de afetos potencialmente perturbadores pode ser uma excelente solução.
Linhas recentes de investigação têm vindo a sublinhar o seu potencial papel relacionando sujeitos mais ativos com menor ocorrência de crises de voracidade alimentar e menor consumo de gorduras associado.
3.º Desafio
ESCOLHE A MELHOR ESTRATÉGIA PARA SI: DISTRAÇÃO, CONFRONTAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO?
Em primeiro lugar, e seguindo o raciocínio anterior, o melhor será evitar o risco, usando técnicas de distração (as tais atividades alternativas já referidas anteriormente). Outra estratégia será a de constituires-te juiz de ti próprio, confrontando-te racionalmente (há quantas horas comeste?, o que comeste, achas que é mesmo fome o que sentes agora, o que dirias a outra pessoa na tua situação?)
Se não dá para controlar o impulso de comer e se os níveis de ansiedade associados ao impedir de comer estão a subir descontroladamente, o melhor será fazê-lo enquanto ainda estás no controlo da situação, aqui decide em consciência o que podem ser boas estratégias de substituição (um gelado ou um iogurte congelado? Uma fatia de bolo ou uma fatia de pão com doce?).
Assim, se comeres de mais ou o que não querias ou se sentes que perdeste o controlo, não te culpabilizes em demasia. Identifica o erro, registando-o e sigue em frente com o delineado. Evita pensar que já estragaste tudo. O importante é a sua capacidade de continuar.
Autora: Marlene Nunes Silva
Psicóloga Clínica, Programa PESO
Laboratório de Exercício e Saúde
Faculdade de Motricidade Humana